teste

Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno. (Antonin Artaud)

A Balada de Bob Dylan






 

1973




1973O Ano que Reinventou a MPB é um livro feito de encontros. De encontros de gente dos mais diferentes pontos do país, de gostos diversificados, que se identificam com o tema e com os discos. Em cada resenha, os discos abordados possuem o carinho de seus autores. Alguns com histórias extremamente pessoais, de quem conviveu com o artista que está em foco. Outros não conviveram, mas se emocionam como se fossem íntimos. O livro que aqui apresentamos possui outros autores além daqueles que assinam os textos. Há também muitos outros que por diversos motivos acabaram não embarcando nesse tapete mágico. E há também os que embarcaram, mas no meio da viagem tiveram que pedir para saltar no porto seguinte. No entanto, todos podem se considerar coautores. Numa época na qual os discos como obras fechadas são cada vez mais raros, o livro é um documento de um tempo. De um tempo em que convivíamos com agulhas de diamante e abríamos embevecidos capas de discos que íamos nas lojas comprar. De um tempo em que os discos tinham lado A e lado B... Tempo, lá nos arredores dos primeiros anos 70, que em quase todos os discos que comprávamos havia escrito “DISCO É CULTURA”. Mas esse livro foi pensado, não para ficarmos dizendo que naquele tempo as coisas eram melhores... O melhor tempo é hoje. Pois, hoje estamos aqui.




 

Bob Dylan - Letras



 

Wilson Simonal




Em meados de 1969, ao longo de várias semanas, a lendária revista Realidade destacou um de seus melhores repórteres, Mylton Severiano, para acompanhar o dia a dia do cantor Wilson Simonal. Com belas fotos e textos longos, Severiano registrava o auge do sucesso de um artista, aquele que já fazia tempo era “o maior showman brasileiro”, e cuja estrela não parava de subir. O título da reportagem não poderia ser mais apropriado: “Este homem é um Simonal”. “Ser um Simonal”, naquele tempo, transmitia imediatamente ao leitor todos os atributos que o personagem da matéria alimentava havia quatro anos. O sucesso monumental, comparável apenas ao de Roberto Carlos; a capacidade aparentemente sem fim de gerar sucessos (“Sá Marina”, “Tributo a Martin Luther King”, “Nem vem que não tem” e, avassalador naquela época, “País tropical”); o famoso suingue, que colocava para dançar numa mesma pista a socialite e sua faxineira; o estilo pessoal, com roupas caras compradas na Dijon e do uísque Royal Salute sem gelo e sem água; a capacidade de comandar a plateia como se fosse seu próprio coral de apoio, tanto em uma boate da moda, em seu programa na tv Record, em teatros ou no Maracanãzinho; sua Mercedes do ano, conversível, vermelha e preta como o Flamengo; o menino pobre de Areia Branca que acabou duetando com Sarah Vaughan e arrancando elogios de Quincy Jones em Paris; o Simonal empresário, que montou seu próprio escritório para ter controle total sobre a sua carreira; a imagem poderosa, capaz de ajudar a vender lubrificantes e formicidas da Shell; o homem negro por quem suspiravam as loiras da alta sociedade. Ou, como resumiu o Jornal do Brasil numa série de seis reportagens biográficas: “Aquele cara que todo mundo queria ser”.


Maysa




Aos 22 anos, a jovem Maysa era uma das estrelas mais bem pagas da música brasileira. A estréia da temporada na boate La Bohème, que lhe renderia um cachê de 140 mil cruzeiros por semana, cerca de 30 mil reais (valor considerado astronômico para os padrões da época), havia sido um sucesso. Era rica, famosa e cortejada por homens que dariam tudo para dividir um drinque com ela naquele abafado fim de noite do verão cario-ca. Mas, ao contrário do que sempre fizera depois de cada um dos shows, Maysa não aceitou o convite dos amigos para esticar a madrugada, para pular de bar em bar, esquecer o relógio e bater perna pela constelação de boates e restaurantes que compunham a paisagem boêmia do bairro. Enquanto os garçons ainda serviam doses generosas de cuba-libre, hi-fi e uísque aos clientes da La Bohème - e quando estes não haviam se refeito do vendaval emocional provocado por mais uma apresentação de Maysa -, ela chegou em casa, tirou a roupa e abriu a torneira da banheira. Era 11 de fevereiro de 1958, uma terça-feira. Ninguém pode dizer exatamente o que houve entre aquelas quatro paredes ladrilhadas de branco. Só se sabe que os vizinhos foram acordados por um grito de mulher no meio da noite. Nos dias seguintes, a notícia estava no rádio e nos jornais. Maysa tentara se matar, cortando o pulso esquerdo com gilete.



Black Sabbath






 

Chico Buarque - O Poeta



O Poeta é aquele ser a quem é dado, mais do que aos outros, o poder de manifestar a vida dos afetos; é como se ele tivesse uma maior possibilidade de contato com o próprio inconsciente (pessoal e filogenético) e a poesia é um espaço em que se permite ao inconsciente aflorar. Diz Baudelaire que o Poeta dispõe do privilégio de ser ao mesmo tempo ele próprio e o Outro. E eu especificaria: ou Outra. Não por acaso, em seu famoso estudo sobre a Feminilidade, Freud acaba seu ensaio dizendo: “e agora, quem quiser saber mais sobre a mulher, que consulte os poetas”. É assim que nas canções de Chico Buarque emerge a fala da mulher, de uma perspectiva, por vezes, espantosamente feminina. Penso, por exemplo, numa canção como “Pedaço de mim”, em que surge com grande intensidade o sentimento feminino de perda, de privação, de falta. Trata-se de uma canção que flagra um momento de despedida de um casal, atualizando em nós o estado de incompletude e carência, e a consequente sensação de mutilação que as separações mobilizam...



Luz e Sombra - Conversas com Jimmy Page




 

John Lennon em Nova York

 




John, Yoko e Eu



 



Chico Buarque


Rinaldo de Fernandes


“Alguns jurados sentiam que ‘Disparada’ era a melhor música mas votaram em ‘A banda’. O que se percebeu é que havia uma absoluta divisão do júri. Os votos foram contados. ‘A banda’ tinha sete votos, ‘Disparada’ tinha cinco. Seria essa a decisão final. Roberto Freire entregou o resultado a Paulinho Machado de Carvalho [um dos donos da TV Record] do lado de fora e ouviu: ‘Roberto, houve um impasse terrível. O Chico se nega a receber o prêmio’. ‘Mas por quê?’. ‘Ele se nega. Disse que se for votada ‘A banda’ ele devolve o prêmio em público’. Ambos entraram na sala dos jurados. O que teria acontecido? Enquanto o júri estava decidindo, Chico Buarque, já desconfiado de que iria ganhar, ouviu alguém afirmar: ‘Você ganhou’. Parecia uma grande notícia, mas Chico foi para perto de Paulinho Carvalho e disse: ‘Olha aqui, não deixa eu ganhar de ‘Disparada’. Eu não posso levar esse prêmio sozinho’. ‘Como? O júri é que decide’. ‘O júri pode decidir o que quiser. Eu não quero levar esse prêmio sozinho. Se ‘A banda’ for a primeira, eu devolvo o prêmio em público’. Era uma decisão irrevogável. Paulinho viu que era sério, subiu correndo ao terceiro andar do predinho onde o júri estava reunido e, quando entrou na sala, disse: ‘Tenho uma novidade pra vocês. O Chico acaba de me comunicar que de jeito nenhum leva esse prêmio sozinho’. A surpresa gerou um tremendo alvoroço. Os jurados já tinham dado suas notas, havia uma decisão já entregue. Paulinho ponderou que a plateia estava dividida e as duas músicas estavam tão perto, que o melhor era mesmo o empate, pois qualquer um que perdesse seria um desastre para a empresa: metade ia achar maravilhoso e a outra metade ia achar péssimo. O melhor seria arrumar o empate: o objetivo do festival era fazer com que as músicas crescessem e virassem sucesso. Finalmente, decidiu-se então pelo empate e pela divisão do prêmio entre os compositores das duas músicas.” (Zuza Homen de Mello)




Elomar

 Elomar Figueira de Mello


Elomar Figueira Mello (Vitória da Conquista, Bahia, 1937). Compositor, violonista e cantor. Filho de Ernesto S. Mello e Eurides Figueira Mello, Elomar nasce na cidade baiana de Vitória da Conquista. A família de fazendeiros vive na zona rural da cidade, onde se educa e tem e seus primeiros contatos com a música, que ocorrem nos cultos religiosos e escutando os cantadores, violeiros e repentistas. Ainda garoto aprende a tocar viola e violão, sem aprovação familiar. 

Em 1954 muda-se para Salvador para estudar e compõe algumas canções. Cinco anos mais tarde, ingressa no curso de arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Conclui o curso em 1964 e retorna à Vitória da Conquista; vive da arquitetura, e paralelamente mantém uma carreira como artista. Grava seu primeiro compacto em 1968, um disco independente com as faixas autorais "O Violeiro e Canção da Catingueira", e, no ano seguinte, conclui a escrita da primeira ópera, "Auto da Catingueira". No final da década frequenta a Escola de música da UFBA, sem concluir o curso. 

Em 1972 grava seu primeiro LP, Das Barrancas do Rio Gavião. Em 1978 grava o segundo disco, nos estúdios da UFBA, Nas Quadradas das Águas Perdidas. A partir de então sua vida artística se estabelece e faz apresentações pelo país. Em 1980 lança em São Paulo o LP Parcelada Malunga em parceria com o pianista erudito Arthur Moreira Lima (1940). 

Nos anos 1980 abandona a arquitetura para dedicar-se exclusivamente a música. Em 1981 lança Fantasia Leiga para um Rio Seco, acompanhado da Orquestra Sinfônica da Bahia. No ano seguinte realiza o espetáculo coletivo ConSertão com Arthur Moreira Lima, Paulo Moura (1932-2010) e Heraldo do Monte (1935) e que resulta em disco o homônimo. Grava ainda os discos coletivos Cantoria 1 e 2 (1984 e 1988), com Xangai (1945), Vital Farias (1943) e Geraldo Azevedo (1945) e Concerto Sertanez (1988) com Turíbio Santos (1943), Xangai e seu filho João Omar. Lança os discos de canções "Cartas Catingueiras" (1983) e outros com experiências solistas e sinfônicas como "Auto da Catingueira" (1984), "Sertania" (1985), com Ernst Widmer (1927-1990) e a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia, Dos Confins do Sertão (1987), gravado na Alemanha, e Elomar em Concerto (1990 - ao vivo). 

De temperamento recluso, retorna à vida no sertão e grava Árias Sertânicas (1994) e Cantoria 3 (1994). Mas mantém-se preocupado em compor, registrar e divulgar suas obras. Com esse objetivo organiza em 2007 a fundação Casa dos Carneiros. Dedica-se também a escrever "romances de cavalaria", Sertanílias (2008) e Sertano Visita a Cidade (no prelo). Em 2008, lança Elomar: Cancioneiro, publicação com transcrição das partituras do compositor e que conta com a participação dos músicos Maurício Ribeiro, Hudson Lacerda, Avelar Júnior e Kristoff Silva. 

Análise 

Trata-se de um compositor cuja formação cultural e musical e seus vínculos com múltiplas experiências e tradições musicais, tanto regional e rural, o colocam numa encruzilhada de onde partem e convergem inúmeros caminhos e alternativas. Sua proposta poética, por exemplo, revela e faz referências permanentes a valores artísticos fundados nas tradições européias, sobretudo, as medievais e ibéricas, assim como ao universo judaico e cristão. Surgem assim em seus poemas cavaleiros, nobres intrépidos, donzelas, princesas, menestréis, castelos, corcéis, cristãos, judeus e valores como honra, coragem e amor. Para narrar esse imenso universo, ele utiliza formas clássicas da cultura erudita como o romance, épicos, autos e antífonas. No entanto, todo esse mundo é filtrado e recriado pelo imaginário rural do sertanejo nordestino. A cultura oral e popular se impõe para contar as histórias do povo humilde do sertão, seus animais, sua natureza, mas sempre recheadas das citações medievais, clássicas e ibéricas. O discurso épico e universal constitui-se para contar as pequenas histórias particulares do seu mundo sertanejo. Assim o cavaleiro intrépido em seu corcel pode ressurgir no Tuin da Lagoa Preta, no Quilimerô, a rainha em "Dona Izabel" e a donzela podem ser "Tiadora", a "Naninha" ou a "Joana flor das Alagoas" entre tantos outros personagens locais e regionais.  Sua narrativa procura mostrar o povo do sertão como "um forte", lutador que constrói obras culturais e "um mundo maravilhoso". 

Para concretizar essa fusão ele opera evidente transformação na linguagem. Ela se apresenta recheada de arcaísmos, como o latim, com variantes dialetais e neologismos, criando assim um dialeto muito próprio fundado na oralidade sertaneja, à semelhança de Guimarães Rosa (1908-1967). Por isso, a professora Jerusa Pires Ferrreira diz que no seu discurso se "ajuntam céus e terras, crenças e vivências, coisas grandes e pequenas, e se organiza a recriação do grande texto oral, sertanejo, Ibérico e universal. É como se ouvisse um canto de milênios, os gêneros da poesia medieval, do grande relato épico, o mundo misterioso, mais a captação de flagrantes da vida sertaneja". Porém esse mundo e seu "dialeto catingueiro" ou "sertanês" tão singular não é simples de penetrar. Para compreender integralmente aquilo que se diz e se escreve exige muitas vezes glossário como exposto, por exemplo, no disco Nas quadradas das águas perdidas (1978). 

Do ponto de vista musical as fusões entre a música erudita e a popular também são evidentes. Ele cria seu próprio projeto armorial. Seu instrumento central é o violão que não assume a postura comum de simplesmente acompanhar a harmonia para o canto. Uma das características de sua obra é o fato dele seguir a mesma linha melódica exposta no canto ou então apresentar pequenas variações em contraponto com a voz. Deste modo, ele realiza a difícil tarefa de ser simultaneamente solista instrumental e intérprete. Certamente o fato de ter formação musical clássica contribui para essa condição solista central do violão e a utilização de timbres, encadeamentos harmônicos, frases típicas deste universo sonoro. E neste caso, sua sonoridade mais uma vez apresenta recordações da cultura ibérica, cuja tradição violonística peculiar é bastante conhecida. Suas pretensões solistas se revelam de maneira aberta pela primeira vez na gravação de Cartas Catingueiras, no qual apresenta 5 peças solos, das 12 que tem registradas.  Além dessa produção compôs também óperas (11), antífonas (11), concertos (3) e uma sinfonia. Acontece que essa formação e as informações originárias da música erudita se misturam com várias tradições musicais populares regionais, como dos violeiros, cantadores, repentistas e aquelas presentes das festas religiosas. Mas aparecem também como elementos da música urbana como as serestas, valsas, modinhas e batuques. Isso tudo escutado e cantado no dialeto sertanês, tornando sua obra bastante complexa. 

Por fim, todo esse conjunto se vincula a um projeto cultural mais amplo do autor e serve para revelar suas insatisfações com a modernidade. A criação desse universo tão específico repleto de conflitos pretende opor o mundo rural ao urbano, com prevalência do primeiro. Isso significa a preferência pela tradição e a recusa das rupturas incessantes e degenerativas da modernidade. Sua rejeição à cultura contemporânea massificante, em favor de uma cultura clássica e regionalista, se revela tanto na obra e como também no seu modo de vida. Recluso no sitio em sua cidade natal, funda em 2007 a fundação Casa dos Carneiros com objetivo organizar e divulgar sua obra fora do circuito da indústria da cultura e apresentar seu projeto cultural. 

Sua obra musical está exposta em 15 discos, a maior parte gravada nos anos 1980, que apresentam essa riqueza e multiplicidade. Em muitos deles conta com a colaboração de outros artistas, desde a apresentação de Vinícius de Morais (1913-1980) em Barrancas do Rio Gavião, como a participação direta de instrumentistas importantes como Heraldo do Monte, Paulo Moura, Arthur Moreira Lima e Jacques Morelenbaum (1954), e de músicos como Dércio Marques (1947-2012), Xangai e Geraldo Azevedo. Além disso, Elomar também é criador de bodes e um de seus animais, o bode Francisco Orelana, que comia papel e jornal, inspira Henfil (1944-1988) a criar um personagem homônimo que figura nos cartum Graúna.



Ouvir Elomar é viajar no tempo. É ouvir a sonoridade do português primitivo e que deitou raízes no linguajar do povo simples do nosso sertão. E é exatamente aí que reside a originalidade desse menestrel baiano, verdadeiro garimpeiro das preciosas e ricas pérolas da fala típica de nossos grotões sertanejos. Elomar Figueira Mello é natural de Vitória da Conquista, onde nasceu em 21 de dezembro de 1937. Segundo consta do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira ele é “cantor. Compositor. Violeiro. Nascido em família tradicional de fazendeiros da Zona da Mata do Itambé e da região do Mata - de - Cipó, de Vitória da Conquista, iniciou-se na música ainda criança, acompanhando os cantos das festas religiosas, a música dos cantadores, violeiros e repentistas do sertão. Mudou-se para Salvador, onde estudou música e arquitetura. Lá, ainda adolescente, gostava de ir às feiras para ver os cantadores, os catingueiros, que eram ridicularizados por falarem de maneira incorreta. Considerando a importância da cultura do sertão e das comunidades interioranas, decidiu que, em suas composições, ligadas ao universo rural, prezaria escrever naquela variação linguística. Retornou para Vitória da Conquista ao terminar os estudos. Vive por opção na região do semi-árido, no sudoeste da Bahia, onde divide seu tempo cuidando das duas pequenas fazendas em que cria carneiros e cabras e, às vezes, um pouco de gado graúdo. A fazenda Casa dos carneiros e a fazenda Duas passagens. Além da lida rotineira entre plantios, manutenções e construções, Elomar dedica-se à criação musical, que o leva a apresentações esporádicas em palcos urbanos de diversas capitais do país.” Moacir Silveira.